É possível ter uma dependência sem consumir drogas?

Habitualmente falamos de dependências referindo-nos ao álcool, tabaco e outras substâncias psicoativas. Desde o início da escolaridade que este é um tema debatido com regularidade, chamando a atenção das crianças e jovens para os riscos do consumo de qualquer uma destas substâncias. Todos conhecem os riscos e as consequências do seu consumo. Uma delas é a dependência.

Recentemente temos também ouvido falar da dependência do açúcar e somos alertados para reduzir o seu consumo e ter atenção aos rótulos, pois o açúcar anda escondido em muitos do snacks e bebidas que consumimos. 

Mas será possível ter sintomas de dependência dos vídeo jogos e das redes sociais? 

Será que o facto de andarmos sempre a olhar para o telemóvel, à espera de alguma notificação, de não nos conseguirmos separar dele e se ficarmos aflitos quando ele fica sem bateria, não serão sinais de que estamos dependentes daquele objeto? 

Mas então o que é uma dependência? 

No dicionário recolhemos estas sinónimos: 

 - Necessidade de estar subordinado a outrem. = SUBORDINAÇÃO, SUJEIÇÃO ≠ AUTONOMIA, INDEPENDÊNCIA 

- Estado de necessidade que resulta do consumo contínuo e repetido de drogas ou derivados. = ADICÇÃO, HABITUAÇÃO, TOXICODEPENDÊNCIA, TOXICOMANIA, VÍCIO 

 "dependência", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/depend%C3%AAncia [consultado em 30-10-2022]. 

 

Ou seja, estar dependente é não ter autonomia nem independência, é ter um vício ou uma adição relativamente a um produto ou a algo. Não é uma coisa boa e nenhum de nós gosta de perder autonomia, quanto mais estar dependente de algo ou de alguém. 

Mas então é possível estar dependente de vídeo jogos e da internet? A resposta é sim, infelizmente. 

Na verdade já há muitos estudos sobre o assunto e já se percebeu que até se chegar à dependência há 3 fases: 

Fase Recretiva- a pessoa joga por prazer e usa a internet para se divertir. Não tem qualquer problema em parar e não fica ansioso quando não consegue jogar ou ver as notificações durante algum tempo. 

Fase Abusiva- aqui começam os problemas... é uma fase em que já há uma ligeira dependência, pois a pessoa sente-se mal por ter de interromper um jogo ou por não aceder às redes sociais, mas consegue fazê-lo. Ainda é capaz de definir um limite e de regular o uso dos jogos e da internet. 

Fase Patológica- surge o descontrole total. Tal como o nome indica, aqui temos uma patologia, um problema grave. A pessoa perde o controlo do tempo de jogo e do uso da internet. Torna-se uma obsessão e também uma compulsão (as ideias e os comportamentos rodam sempre à volta dos jogos e da internet) e a pessoa já não joga por prazer. Mas também não sente prazer por mais nada na vida. Está sempre a pensar que tem de ir jogar ou que tem de ir ver o que se passa nas redes sociais. 

Felizmente os estudos mostram que temos poucos jovens na fase patológica. Infelizmente temos um grupo demasiado grande com comportamentos da fase abusiva. 

Um estudo inglês de 2013 encontrou mais de 50% dos jovens com comportamentos problemáticos no uso da internet [Romano M, Osborne LA, Truzoli R, Reed P (2013) Differential psychological impact of internet exposure on internet addicts. PLoS ONE doi:10.1371/journal.pone.0055162]. 

Então quais são os sintomas de alguém que tem um problema sério com o uso da internet e dos vídeo jogos? Ficam aqui alguns sintomas para refletires: 

- usar a internet e os jogos como estratégia para fugir à ansiedade, à tristeza e a outras emoções desagradáveis; 

- incapacidade para parar ou apenas reduzir o tempo de jogo ou de uso da internet; 

- reações violentas quando perde um jogo ou não gosta de algum comentário nas redes sociais; 

- perda ou dano nas relações- aumento dos conflitos com os pais e amigos, perder amigos ou namorado/a; 

- interessar-se apenas pelos jogos ou pelas redes sociais, não ter gosto em fazer mais nada, mesmo em atividades que antes gostava- desporto, atividades de grupo, saídas com amigos e família, ... 

- perda de outros interesses- deixar de praticar desporto ou outras atividades que tinha regularmente; 

- rigidez no comportamento mesmo com as situações problemáticas a aumentar- não mudar de comportamento mesmo dando conta que as notas estão a baixar, que há conflitos em casa por causa dos jogos ou da internet, que os amigos se estão a queixar e a afastar; 

- mentira acerca do tempo de jogo ou do uso da internet- ou apenas não ter a noção do tempo que passa nestas atividades; 

- necessidade de aumentar cada vez mais o tempo de jogo ou de uso da internet para satisfazer essa necessidade. 

Espero que estes sintomas sirvam apenas para te ajudar a refletir e não para perceberes que tens mesmo um problema. Nesse caso deverás procurar ajuda. Fala com os teus pais, as psicólogas da tua Escola ou os teus professores. Qualquer uma destas pessoas saberá ajudar-te a procurar a ajuda certa. 

Mas como sempre, o melhor é prevenir antes que o problema surja. A internet e os jogos têm um lado muito bom, podem ser atividades recreativas e de ocupação de tempos livres bastante relaxantes e divertidas. Só não podemos abusar. Afinal, é como os doces e os chocolates: são bons, deixam-nos felizes desde que saibamos moderar o seu consumo. 

 Aqui vão algumas sugestões: 

- em cada dia tenta praticar exercício ou fazer alguma outra atividade (ler, ouvir música, fazer um puzzle, ...) durante o mesmo tempo que usas a internet ou jogas. 

- procura ter uma vida saudável- com equilíbrio na alimentação, no sono, no estudo, no lazer e no uso dos video jogos e internet.

- privilegia o relacionamento com os outros na versão presencial- experimenta jogos de tabuleiro, noites de filmes com pipocas e tardes bem passadas a contar piadas ou a conversar com os amigos.

- não te esqueças de estudar! É uma atividade muito importante para te sentires bem sucedido/a e com um objetivo na vida. 

E diverte-te!! 

A internet e os vídeo jogos podem fazer parte da tua vida, mas não devem ser as únicas formas de te divertires!